Arquivo digital do Batuku da Ribeira Grande de Santiago
O “Arquivo digital do Batuku da Ribeira Grande de Santiago”, Cabo Verde, tem origem na etnografia realizada entre os meses de janeiro e maio de 2024 pelo grupo de investigadoras Mulheres à Fronte neste município do sudoeste da ilha de Santiago, onde se encontra Cidade Velha, antiga capital do arquipélago, declarada Património Mundial da Humanidade pela UNESCO em 2009. Este produto pretende não só divulgar, mas também contribuir para a legitimação das práticas artísticas realizadas por mulheres.
O batuku é uma manifestação cultural das mulheres da ilha de Santiago (autodenominadas badias), que mistura canto, percussão e dança. Reprimido nos anos do colonialismo, a partir da independência afirmou-se como um dos elementos fundamentais do património imaterial da cultura cabo-verdiana, existindo numerosos grupos de mulheres batucadeiras na atualidade.
Em janeiro de 2024, a antropóloga Luzia Oca realizou trabalho de campo exploratório com os grupos de batucadeiras da Ribeira Grande de Santiago. Com a ajuda do grupo Nos Eransa, teve a oportunidade de participar num encontro na Cidade Velha que juntou mais de 100 batucadeiras desta localidade e outras do município, onde existem grupos ativos (Porto Moskitu, Pikilion, Santana, Son Martinhu e Lem Dias), cuja história foi recolhida.
Em maio, uma equipa de cinco investigadoras da Mulleres á Fronte deslocou-se a Cabo Verde para realizar o processo de recolha que dá origem a este arquivo. Foram compilados todos os grupos de batuku (7) existentes no concelho, com origem em seis localidades. Foram realizadas entrevistas individuais às mulheres integrantes dos grupos, com questões acerca da sua vida pessoal, familiar e profissional, bem como as suas narrativas sobre a história e evolução de cada grupo e sobre outros que existiram no passado, atualmente inativos. Foi também organizado um grupo de discussão em que as participantes realizaram uma prática reflexiva de conhecimento sobre a sua própria criação artística e a sua função sociocultural.
A recolha foi realizada nas comunidades locais, com uma gravação sonora de 5 temas de cada um dos grupos, escolhido pelas batucadeiras, relacionados com a situação das mulheres. Um dos temas de cada grupo foi recolhido em formato audiovisual para produzir um videoclipe.
Foram registadas as letras de cada um dos 35 temas recolhidos, cujas linhas temáticas (figura da mãe, migração, violência de género, problemas comunitários, trabalhos e cuidados, entre outras) refletem elementos estruturais da sociedade rural de Santiago, mostrando a agência das mulheres face às desigualdades que sofrem.
O trabalho de investigação permitiu evidenciar a capacidade enunciativa do batuku sobre questões centrais da vida das mulheres em Cabo Verde, como as desigualdades económicas e o empobrecimento, a emigração, a violência patriarcal ou o cuidado dos filhos e filhas.
A amostra aqui recolhida é expressiva da riqueza musical e coreográfica do batuku, da sua diversidade e transversalidade, bem como do importante valor que representa para as mulheres cabo-verdianas.